domingo, 19 de maio de 2024

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Dos canhotos aos ouvidores de vozes, porque não sabemos lidar com os diferentes?

Autor: CEI Campinas Data: 27/12/2021

Até pouco tempo atrás escrever com a mão esquerda era algo errado, proibido, um defeito que precisava ser corrigido. Algumas famílias proibiam seus filhos de escreverem na frente de outras pessoas com vergonha de saberem que havia um filho canhoto na família. Era como uma maldição. Havia até terapia para “consertar esse problema”. Amarrar a mão esquerda, punição etc. era a forma de ajustar a um suposto “normal” as pessoas.

Isso não acontece(u) só com os canhotos. Ao longo da história separamos as pessoas com base em um normal inventado a partir de nossos próprios referenciais. Nosso narcisismo nos impede de ver a pessoa como nós para além da mão que escreve, da cor da pele, gênero e da forma como lida com suas emoções. No lugar de ver a pessoa, o humano que nos conecta vemos as diferenças. Então a diversidade que deveria simbolizar a riqueza e potência se torna motivo de segregação, opressão e atrocidades como o nazismo.
Até que um dia alguém pensou: que diferença faz escrever com mão esquerda ou direita, perdemos muitas poesias, livros e conhecimento que poderiam ser produzidos pelos canhotos que estavam presos a suas terapias de ajuste ao normal.

No caso do gênero, cor de pele, o que aconteceu não foi indicação de terapia, mas sim segregação, descredito, opressão, escravização e a herança disso ainda está enraizado em nossa cultura através do machismo e racismo estrutural.

Não diferente do canhoto o ouvidor de voz ao longo da história foi considerado possuído e mais recentemente louco, sendo tratado com segregação e medicamentos que calam sua subjetividade. Até perceber que ouvir vozes em suas cabeças não é tão diferente de sentir ansiedade no peito, nós na garganta ou vivenciar outros sentimentos de alegria e doloridos. Essas pessoas por ouvirem vozes, passam a ser rotuladas de uma forma tão forte que passam a não serem mais ouvidas como pessoas. Passam a não ter mais como importante o que sentem, sua história. O que importa é somente o que as torna diferente: ouvir vozes.

Até alguém perceber que apesar de uma forma diferente, as vozes são expressão do que elas sentem, pensam muitos estão sendo calados, neutralizados e desacreditados. Enquanto isso vamos perdendo potencias, desperdiçando pessoas e ficando aquém de uma sociedade mais justa e verdadeiramente igualitária.

O CEI Campinas apoia um grupo de ouvidores de vozes, um espaço de escuta, partilha e muita aprendizagem entre aqueles que experimentam ouvir seus sentimentos e emoções através de vozes em suas cabeças.

O Grupo foi uma iniciativa da Cáritas Arquidiocesana de Campinas, e foi o primeiro grupo ligado a comunidade no Brasil.
Atualmente o grupo acontece de forma online, aos sábados às 14 horas pelo link https://meet.google.com/ovq-daai-dvr

Por: Leonardo Duart Bastos, presidente do CEI e um dos cofundadores do grupo de ouvidores de vozes de Campinas, articulador no Brasil do Intervoice