Autora: Aline Figueiredo*
Orientador Social, educador social, instrutor de oficinas, oficineiro, facilitador, monitor, entre outras tantas nomenclaturas… Quantas identidades têm o profissional que diariamente está na atuação direta do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV)? Qual é de fato a função deste profissional de escolaridade de nível médio, sem piso salarial, sem sindicato e conselho de classe, sem graduação específica para a natureza do seu trabalho, que traz em suas vivências e bagagens, estratégias potentes capazes de propiciar um novo olhar acerca de realidades e contribuir de forma criativa, para novas perspectivas e visões de mundo? Quais os principais desafios que esta categoria enfrenta? Quais desafios transversais dizem respeito à Organização ao qual representa, que impacta diretamente no fazer deste profissional? Em que momento faz reflexões acerca da Política de Assistência Social e consegue diferenciar criticamente as ações assistencialistas? Possui tempo suficiente para planejar, executar e avaliar suas atividades bem como participar de capacitações continuadas?
Inicialmente, com essas reflexões, convido você a pensar a respeito da Política Pública de Assistência Social, prevista constitucionalmente como um direito, desde 1988, resultante de um processo histórico de lutas, militâncias e movimentos sociais importantes, para descaracterizar ações assistencialistas e de caridade, realizadas por Instituições religiosas e filantrópicas, e objetivar a garantia de uma política de Proteção Social afirmativa de direitos, prestadas “a quem dela necessitar”, independente de raça, gênero, religião, renda e contribuição à seguridade social (BRASIL,1993). A Assistência Social, que anteriormente tinha programas e projetos para ocupação do tempo, desenvolvida em núcleos comunitários, voltada ao enfrentamento a pobreza, hoje possui normativas e legislações específicas, firmadas em um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) desde 2005, que traz em seu conteúdo, parâmetros para a implantação e execução de programas, projetos, serviços e benefícios, capazes de incidir positivamente na vida de famílias e erradicar ou minimizar situações de desproteções sociais e relações subalternas.
Um destes serviços previsto na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), no âmbito da Proteção Social Básica é o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, ofertado a população que se encontra em situação de vulnerabilidade e/ou risco social, realizado diretamente pelo poder público, sob responsabilidade do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), complementar ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF) e/ou em parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSC), devidamente inscritas no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), via termo de colaboração e/ou de fomento.
Nesse contexto, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS (2006) traz em seu conteúdo, além dos princípios, diretrizes para a gestão do trabalho no campo ético, capacitação continuada, matrizes para o cofinanciamento, a pactuação de quais são as equipes de referência para cada Serviço. Dentre os profissionais que compõe a equipe do Serviço de Convivência, está o profissional de nível médio, ao qual a resolução do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS nº 09, de 15 de abril de 2014, ratifica e reconhece a ocupação do Orientador Social / Educador Social, com as finalidades e funções detalhadas, diretamente relacionadas aos objetivos do SUAS.
Importante esclarecer que o orientador social é o profissional, de contratação obrigatória, que compõe a equipe, atua constantemente junto aos grupos socioeducativos e é responsável por propiciar um ambiente de convívio saudável, participativo e democrático. Já o facilitador de oficinas é o prestador de serviços que pode atuar em parceria com o orientador social, trazendo suas habilidades artísticas, esportivas, culturais entre outras, para potencializar os grupos de convívio, cuja contratação é opcional. Dessa forma é importante dizer que grupo socioeducativo não é o mesmo que oficina.
O grupo é um instrumento metodológico! Ele não é espontâneo. Não é um aglomerado de pessoas. São organizados a partir de ciclos de vida dos usuários, utilizando a estratégia de percurso, a partir dos eixos estruturantes, que se complementam com os temas transversais, planejados de forma intencional, com o envolvimento e a participação dos usuários. Logo, as oficinas potencializam e qualificam os grupos, utilizando atividades recreativas, de arte, cultura, esporte e demais, como meio para a concretização do trabalho e não a finalidade em si.
Portanto, em um processo seletivo para a contratação destes profissionais, para que não haja prejuízos na fragilização e rompimento de vínculos com os usuários, despesas administrativas, desligamentos frequentes e rotatividade de profissionais, a Organização precisa ter clareza do perfil profissional desejado, para cumprir sua proposta política pedagógica, alinhada à missão, visão e valores, em harmonia com os objetivos do Serviço de Convivência.
Essa discussão é importante, pois é comum observar nas contratações, Organizações que atuam com grupos numerosos de usuários e nas vagas divulgadas, que não publicam ao certo qual a real função que o profissional vai desempenhar, seja por desconhecimento da necessidade ou mesmo por que deseja um orientador social ou oficineiro “tarefeiro”, para apoio em funções muitas vezes, que não são de sua competência. Às vezes, o orientador social apresenta um perfil mais voltado para oficineiro, quando sua contratação se dá pela habilidade e não pela condição que possui de conduzir grupos socioeducativos, com estratégias diferenciadas, dentro de uma sequência lógica e objetivos específicos. Nesse sentido é importante repensar as contratações e discutir a importância de olhar mais para as competências e multiplicidades do orientador social, do que sua habilidade específica em desenvolver uma ou outra atividade pontual.
Mediante o papel do orientador social e a construção da identidade de sua categoria, podemos a partir de várias perspectivas, analisar a resolução CNAS n° 09/2014 citada acima e observar que parte diz respeito ao desenvolvimento de atividades socioeducativas de convivência e socialização, sob a responsabilidade deste profissional, parte, detalha a importância de planejar, executar, monitorar e sistematizar as atividades individuais e coletivas e por fim, aponta diretrizes e formas de apoio aos técnicos de referência e demais membros da equipe, visando à atenção, defesa e garantia de direitos dos usuários e seus familiares. Mas como essa resolução se conecta com a prática cotidiana?
Um excelente exercício para amadurecer essa conexão teórica de análise do fazer profissional que a resolução traz, com a prática profissional, visando uma atuação cada vez mais humanizada e multidisciplinar, é o curtigrama. A partir dele você identifica o que gosta e faz; o que gosta e não faz; o que não gosta e faz; o que não gosta e não faz. Essa reflexão traz aspectos que dizem respeito aos desafios específicos do orientador social e outros que são transversais aos demais membros da equipe.
Para exemplificar esses desafios, podemos olhar no universo de atendimento dos orientadores sociais, fenômenos como desinteresse dos usuários, evasão, pouca contribuição na ampliação de repertório, atividades que não se conectam com o desejo do público, falta de criatividade e tempo para planejar as atividades com qualidade, dificuldades em trabalhar de forma integrada com os demais profissionais, barreiras significativas para atendimento do público prioritário, falta de materiais para o desenvolvimento das atividades, entre outras inúmeras situações. Quando olhamos para essas questões, compreendemos que ainda, muitas vezes, o Serviço prestado não alcança os objetivos estabelecidos na Política Pública, ao mesmo tempo em que, trabalhadores estão diariamente se reinventando, buscando novas estratégias e abordagens para manter a qualidade do atendimento, sem levar em consideração ou reconhecer que esses pontos importantes de atenção, que os cercam, fragilizam a estrutura e a oferta, quando entram em conflito com o planejamento, até então, pensado de forma intencional aos usuários.
Em um universo maior, quando falamos dos desafios transversais da Organização, lidamos com o orientador social desenvolvendo atividades que não são de sua competência, com condições precárias de trabalho, poucos recursos tecnológicos disponíveis, lidando com divergências entre o fazer da Política Pública e o fazer Institucional, com baixa remuneração, pouco estímulo, ausência de feedback, falta de articulação com a equipe, troca de gestão constante, pouca harmonia entre colegas para facilitar o controle das situações adversas e demais intercorrências objetivas e subjetivas que estão presentes no dia a dia.
Como a Organização lida com todas essas questões? Há outros pontos que precisam de atenção? Como motivar os orientadores sociais e demais membros da equipe a seguir em frente? Como propiciar um atendimento integrado, de qualidade, com impacto esperado?
Conforme falado anteriormente, a Política de Assistência Social traz um grande arcabouço metodológico, com muitos referenciais práticos para sua execução, porém pouco consultado e utilizado em reuniões de equipe e planejamento Institucional. Muitas vezes, nos momentos de planejamento, o orientador utiliza sites genéricos de pesquisa, pois desconhece a riqueza de materiais, temas, objetivos previstos para cada faixa etária no alcance das potencialidades do Serviço de Convivência e até mesmo o próprio plano de trabalho da Organização, materiais estes que não lhe são apresentados e com toda certeza, faria a diferença na mudança de olhar ao pensar a oferta, de acordo com a demanda do território e do público atendido. Deixar estes materiais impressos, disponíveis para consulta e propiciar uma educação continuada dos profissionais, pautada na Política Nacional de Educação Permanente do SUAS (2013), possibilita que trabalhadores reflitam acerca das suas práticas profissionais, discutam estratégias de trabalho, provoquem momentos de maior integração, visando novas abordagens, metodologias e intervenções qualificadas.
Movimentos como estes são fundamentais para afirmar o compromisso ético e político, nas Organizações aos quais representam, além de envolver os orientadores sociais no apoio e participação nas articulações intersetoriais, em espaços de controle social como conselhos de direitos, fóruns, conferências e demais locais que possibilitam ampliar a visão sobre a Política Pública de Assistência Social, seus objetivos, metas, indicadores e necessidades de organização e sistematização de informações, para compor com os diagnósticos e estudos socioterritoriais, de forma teórica e prática, ressignificando seus saberes e fazer profissional.
Assim, espera-se contribuir na organização dos processos de trabalho, compreendendo que o orientador social é a base da política pública, pois de certa forma, sustenta a execução do Serviço de Convivência na prática, mas não participa da construção intelectual da mesma, pois há uma distância considerável nas relações hierarquizadas, que são reproduzidas institucionalmente, que ao mesmo tempo, o Serviço existe para combater.
* Aline Figueiredo – Pedagoga, Assistente Social, pós-graduada em Gestão das Organizações da Sociedade Civil e Projetos Sociais. Formadora do CEI Campinas e idealizadora da assessoria “Teoria na Prática”